sábado, 2 de fevereiro de 2008

Para sempre Harry Potter

Eu sei que é um tanto de falta de criatividade postar algo totalmente retirado de um site, mas esta matéria ficou tão boa, que precisava estar aqui.

Comparação entre tradução oficial e pirata da mesma obra de J. K. Rowling mostra paralelos curiosos
Gabriel Perissé

Após o mais recente volume publicado em 2007 - Harry Potter e as Relíquias da Morte -, o personagem de J. K. Rowling ingressou definitivamente no imaginário coletivo, onde vivem para sempre, influenciando-nos a todos, pessoas irreais como Pinóquio, Hércules, Peter Pan, Hamlet, Indiana Jones, Frodo e Sr. Spock. Concluiu-se, enfim, a saga do jovem bruxo.

Foram dez anos de Harry Potter. O livro de estréia, Harry Potter e a Pedra Filosofal, lançado em 1997 com uma primeira e modestíssima tiragem de mil exemplares, adquiriu inacreditável popularidade. De lá para cá, milhões de adolescentes e adultos no mundo inteiro foram conquistados pela história, que ganhou o cinema e os games. A polêmica em torno de uma insidiosa apologia às artes ocultas e ao satanismo, provocada por alguns críticos cristãos excessivamente zelosos, deu ainda maior publicidade às aventuras do aprendiz de feiticeiro.

Hoje, é possível ler as peripécias de Harry Potter em mais de 60 idiomas, incluindo o mandarim, o russo e o lituano. Para quem aprecia exercícios acadêmicos, existem versões em latim, grego clássico e gaélico. O principal desafio para todos os tradutores foi manterem-se fiéis ao universo maravilhoso que Rowling criou, com suas peculiaridades e neologismos. De outro ponto de vista, desafiante também foi trabalhar com rapidez e competência, para atender à expectativa dos pottermaníacos sem acesso ao idioma original... e dos editores e livreiros, é claro.

Não foram poucos os tradutores que, contratados para a tarefa, se sentiram bafejados pela sorte. É de fato um privilégio participar de fenômeno editorial dessa envergadura. Bastaria mencionar que, até agora, já se venderam mais de 350 milhões de exemplares dos sete volumes.

Numa recente entrevista, Emily Huws, prestigiosa escritora e tradutora do País de Gales, disse que foi uma grande honra traduzir Harry Potter, para ela um indiscutível clássico contemporâneo. A italiana Beatrice Masini, também escritora e tradutora, renunciava a outras leituras e à sua própria produção literária quando estava trabalhando nos textos de Rowling. A tradutora Yuko Matsuoka, cujo marido, dono de uma pequena editora, adquiriu os direitos de publicação de Harry Potter antes que outros percebessem, no Japão, a mina de ouro que estavam desprezando, considera um presente divino levar esta obra ao público nipônico. Jean-François Ménard, antigo tradutor de literatura juvenil, reconhece que só ganhou notoriedade em seu país e no mundo, quando fez Potter falar em francês.

No Brasil, a paulista Lia Wyler, que já traduziu ao longo de sua carreira autores como Henry Miller, Gore Vidal e Tom Wolfe, poderia dizer o mesmo. Graças a Harry Potter, seu nome tornou-se conhecido como nunca antes. Em 2000, Lia recebeu um prêmio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil pelos três primeiros volumes muito bem traduzidos da série.

Mas além dos tradutores oficiais existem os espontâneos, que inundam a internet com versões não autorizadas e de questionável qualidade. Descobriram-se na web, por exemplo, dezenas de traduções livres do sétimo volume para o mandarim, na China. Na França, um rapaz de 16 anos foi preso por divulgar uma tradução sua desse mesmo último volume, e logo depois liberado, pois não havia indícios de ganho comercial.

Entre nós, jovens com nomes reais ou fictícios antecipam-se, utilizando a internet como instrumento e vitrine de suas versões. Desconhecem ambições financeiras. Seu único intento consiste em servir a comunidade potteriana brasileira, cujo clamor nas salas de bate-papo e fóruns é unânime: "Não dá para esperar o Harry Potter oficial!".

Já em setembro de 2007, por exemplo, dois meses antes do lançamento pela Editora Rocco, circulava a versão assinada por uma equipe de tradutores amadores (João Batista, Ramon Gonçalves, Isadora, Zita, Amandinha, Alex, Álvaro, Luiz, Felipe e Bruna). O texto completo, com 570 páginas, em formato PDF, reproduz a capa do livro em inglês.

Cotejar o trabalho de Lia Wyler com o desses ousados internautas pode trazer à luz algumas considerações importantes sobre a magia de traduzir. O trecho escolhido para uma breve análise pertence ao capítulo 5, "O guerreiro caído", título na tradução definitiva, ou "Guerreiro caído", sem o artigo, na versão extra-oficial.

J. K. Rowling
His scar seared with pain, it was all he could do not to moan aloud. Muttering about fresh air, he set down his glass and left the room.

As he crossed the dark yard, the great skeletal thestral looked up, rustled its enormous batlike wings, then resumed its grazing. Harry stopped at the gate into the garden, staring out at its overgrown plants, rubbing his pounding forehead and thinking of Dumbledore.

Dumbledore would have believed him, he knew it. Dumbledore would have known how and why Harry's wand had acted independently, because Dumbledore always had the answers; he had known about wands, had explained to Harry the strange connection that existed between his wand and Voldemort's . . . . But Dumbledore, like Mad-Eye, like Sirius, like his parents, like his poor owl, all were gone where Harry could never talk to them again. He felt a burning in his throat that had nothing to do with firewhisky. . .

Lia Wyler
Sua cicatriz queimava barbaramente: só havia uma coisa que podia fazer para não gemer alto. Murmurando que ia tomar ar fresco, pousou o copo na mesa e saiu da sala.

Ao atravessar o quintal escuro, o grande testrálio ossudo ergueu a cabeça, moveu as enormes asas de morcego, depois continuou a pastar. Harry parou diante do portão que abria para o jardim e se pôs a contemplar as plantas excessivamente crescidas, esfregando a testa latejante e pensando em Dumbledore.

Dumbledore teria acreditado, disso ele tinha certeza. Dumbledore teria sabido como e por que sua varinha agira sem que a comandasse, porque Dumbledore sempre tinha as respostas; conhecia tudo sobre varinhas, explicara a Harry a estranha ligação que existia entre a sua varinha e a de Voldemort... mas Dumbledore, tal como Olho-Tonto, como Sirius, como seus pais, como sua pobre coruja, todos tinham partido para um lugar em que Harry não poderia mais falar com eles. Sentiu, então, uma ardência na garganta que não tinha qualquer relação com o uísque de fogo.

Internautas
A cicatriz dele continuava ardendo, ele não poderia gemer alto. Deu a desculpa que queria tomar ar fresco e deixou a sala.

Quando ele cruzou o jardim escuro, o grande testrálio esquelético fechou as asas de morcego e recomeçou a pastar, Harry parou na porta olhando fixamente para fora olhando o jardim excessivamente grande, ele esfregou sua cicatriz pensando em Dumbledore.

Dumbledore acreditaria nele, ele sabia disso. Dumbledore teria dito como e por que a varinha de Harry tinha agido independemente, porque Dumbledore sempre tinha as respostas, ele sabia tudo sobre varinhas, tinha explicado a Harry a grande conexão existente entre a varinha dele e de Voldemort... Mas Dumbledore, como Olho Tonto, Sirius Black, como pais dele, como sua coruja, todos tinham ido para onde Harry nunca poderia falar com eles novamente. Ele sentia a garganta doer e não tinha nada a ver com Uísque de Fogo.

Comentários
1- A expressão "with pain" foi esquecida pelos internautas. A queimadura que Harry sente é intensa, e por isso cabe o uso do advérbio "barbaramente".
2- Também no momento em que Harry sai da sala, os internautas esqueceram de traduzir que o jovem deixou o copo sobre a mesa. Falha pequena... mas não existem pequenas falhas para um tradutor meticuloso.
3- Thestral é uma das criaturas mágicas do universo potteriano. É visível apenas para aqueles que já presenciaram a ação da morte. Uma vez mais os internautas passaram por cima de um detalhe e não mostram o testrálio erguendo a cabeça para ver Harry Potter.
4- Harry Potter está esfregando a testa latejante - "pounding forehead" - e não a cicatriz, pura e simplesmente. De fato, e não procuram escondê-lo, os internautas estão mais interessados na história do que no texto.
5- A varinha de Harry, durante a primeira batalha deste livro, agira "independently". Lia tem uma boa solução - "agira sem que a comandasse" -, ao passo que os internautas traduzem o termo literalmente, mas descuidando a revisão: "independemente".
6- A "strange connection" entre as varinhas de Harry e Voldemort só poderia ser uma "estranha ligação", conforme a tradução oficial. Os internautas escreveram "grande conexão", talvez porque, inconscientemente, em sintonia com a narrativa, os fãs já não considerem essa relação tão estranha assim...
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Quem quiser conhecer melhor o site, basta acessá-lo aqui: http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11455

Um comentário:

Anônimo disse...

Ola, tudo bem?
Meu nome é Tânia e gostei do seu estilo, temos muita coisa em comum. Gostaria de poder tc com vc. Se quiser, me add no msn. É taniagsanches@hotmail.com.
Seria um prazer.
Obrigada pela atenção.
Abraços.